quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Maria Veleda (1871-1955) - Parte II

Em 1912, o governo nomeou-a Delegada de Vigilância da Tutoria Central da Infância de Lisboa, instituição destinada a recolher as crianças desamparadas, pedintes ou delinquentes, cargo que ocupou até 1941. Desempenhou a árdua tarefa de visitar os bairros mais pobres, informar-se dos casos mais tristes e deprimentes, sob o ponto de vista da miséria material e moral, acompanhar os respectivos processos judiciais no Tribunal de Menores da Tutoria, vigiar os jovens delinquentes em liberdade, aconselhar, prevenir e encaminhar, sempre com o intuito de os recuperar para uma vida sã em sociedade.

Consciente da situação de desigualdade em que as mulheres viviam, numa sociedade conservadora e pouco aberta à mudança, iniciou, nos primeiros anos do século XX, um dos maiores combates da sua vida: defender a igualdade de direitos jurídicos, cívicos e políticos entre os sexos. Naquele tempo, as mulheres estavam, por imperativos económicos, sociais e culturais, confinadas à esfera doméstica, em situação de subalternidade, e, socialmente, tinham o estatuto de menoridade jurídica, cívica e política; as suas capacidades intelectuais e os trabalhos realizados eram desvalorizados, o que obstava a que fossem olhadas como pessoas autónomas e as impedia de fazerem livremente opções de vida.

Havia que trabalhar para que todas as mulheres tomassem consciência da situação de desigualdade e de sujeição em que viviam e despertassem para a necessidade de lutarem pela própria emancipação como pessoas e cidadãs. Na mira destes propósitos, Maria Veleda foi incansável na escrita em jornais e na oratória de tribuna, denunciando, questionando e propondo soluções para os problemas das mulheres, além de ter um papel importante na criação e dinamização das primeiras associações femininas e feministas, nas quais se destacou como dirigente ousada, por vezes radical, idealista, destemida, inteligente e humanista.

A emergência do movimento feminista português coincidiu com a expansão da propaganda republicana e a luta contra a monarquia. Convertida aos ideais republicanos, iniciada na Maçonaria e defensora do livre-pensamento, inicia outra frente de combate político pela implantação da República. Nos Centros Republicanos, participa nas reuniões, conspirações e planos de acção; escreve nos jornais e discursa em escolas liberais, associações operárias e intelectuais, fábricas, grémios, círios civis, teatros, juntas de paróquia e comícios do Partido Republicano, da Junta Federal do Livre- Pensamento e da Associação Promotora do Registo Civil. Alguns destes discursos e conferências foram publicados no livro A Conquista, prefaciado por António José de Almeida. Este insigne dirigente republicano considera que o livro de Maria Veleda traz “um vento novo de filosofia” e “arrojadas doutrinas” que são “em si o alimento primordial das gerações de hoje” e afirma “que a senhora D. Maria Veleda, cujo esbelto espírito tão audaciosamente veste a túnica das mais avançadas ideias, atingiu um raro poder de ductilidade que o leva a debater com vantagem os problemas essenciais da tarefa que se impuseram os revolucionários portugueses.” No balanço das etapas do percurso da luta republicana, salienta que o livro A Conquista prova que Maria Veleda “tem sido, nesta faina laboriosa e dura, uma operária de superior engenho e rara tenacidade. Fadou-a a natureza para realizar a propaganda dos grandes ideais entre as pessoas do seu sexo, que uma educação detestável tem escravizado entre nós, deixando- as no geral, desconhecedoras dos seus próprios direitos.”

Os méritos do seu trabalho e dedicação à causa republicana e à causa da emancipação feminina granjearam-lhe adepta/os e admiradora/es nos sectores liberais mas também inimigos entre a/os católica/os e monárquica/os mais conservadora/es. Sofreu incompreensões, insultos, perseguições e ameaças de morte que culminaram com a condenação por abuso de liberdade de imprensa, em 1909.

Entre 1910 e 1915, como dirigente da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas e das revistas A Mulher e a Criança e A Madrugada, empenhou-se na luta pelo sufrágio feminino, escrevendo, discursando, fazendo petições e chefiando delegações e representações aos órgãos de soberania. Combateu a prostituição, sobretudo, a de menores, e o direito de fiança por abuso sexual de crianças. Fundou o Grupo das Treze para combater a superstição, o obscurantismo e o fanatismo religioso que afectavam sobretudo as mulheres e as impediam de se libertarem dos preconceitos sociais e da influência clerical que as mantinham submetidas aos dogmas da Igreja e à tutela masculina.

Depois da implantação da República, por ocasião das incursões monárquicas de Paiva Couceiro, integrou o Grupo Pró-Pátria e percorreu o país em missão de propaganda, discursando em defesa do regime ameaçado. Em 1915, em consonância com o Partido Democrático de Afonso Costa, juntou-se aos conspiradores na preparação do golpe revolucionário que destituíu o governo ditatorial do General Pimenta de Castro e, a seguir, envolveu-se na propaganda a favor da participação de Portugal na 1ª. Guerra Mundial.

Nesse mesmo ano, saíu da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, filiou-se no Partido Democrático e fundou a Associação Feminina de Propaganda Democrática, cuja acção terminou em 1916, em nome da União Sagrada de todos os portugueses, na defesa dos interesses da Pátria ameaçada.

Desiludida com a actuação dos governos republicanos que não cumpriram as promessas de conceder o voto às mulheres nem souberam orientar a República de modo a estabelecer as verdadeiras Igualdade, Liberdade e Fraternidade e construir uma sociedade mais justa e melhor, abandonou o activismo político e feminista em 1921, após os acontecimentos da “noite sangrenta”. Fez-se jornalista do Século e de A Pátria de Luanda, onde continuou a defender os ideais feministas e republicanos que sempre a nortearam.

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