quarta-feira, 30 de novembro de 2011

A mulher perante a lei

Ana de Castro Osório com os seus filhos


“(…) Quem vai responder no tribunal da Boa Hora, (…) não é Maria Veleda, a escritora distintíssima, a professora ilustrada, a mãe apaixonada, a educadora consciente, a jornalista, a polemista, a conferente.
Não! Quem vai responder é a mulher!
Isto é, quem aparece diante dos julgadores, levantando a cabeça honrada com a distinção que é conferida ao nosso sexo colectivamente, é a feminista, é a combatente, a reivindicadora dos nossos direitos.
(…)
Vamos assistir ao espectáculo curioso de ver como a lei considerando a mulher um ser nulo, politicamente falando, vai julgar uma mulher pelo crime que tem por corpo de delito o artigo em que, apenas sob o ponto de vista político, se encara a figura régia da srª. D. Amélia de Orleans.”
(Ana de Castro Osório, A República, 17.3.1909, p. 1)

As mulheres portuguesas na propaganda republicana


“(…) Maria Veleda, professora e jornalista, das mais combativas, autora teatral, pena vigorosa e atacante. (…)
Maria Veleda, a mais combativa, a maior lutadora de todas as mulheres que ajudaram a vingar as novas ideias republicanas, ainda vive, no limiar dos oitenta e dois anos, saudosa dos tempos idos, da República Portuguesa.
Lúcida, de uma memória assombrosa, ainda nos contou os pequenos pormenores da implantação da República, a alegria doida que todo o povo sentiu.
Vingara a República, vingaram as ideias republicanas. Essa a maior alegria de Maria Veleda.
Passaram os anos. A mulher continua a interessar-se pelos problemas gerais, pelos problemas da Pátria. Soldado idealista, mas condicionado pelas leis antigas e injustas, mantem-se firme, corajosa, desassombrada. (…)”
(Rosália Braamcamp, República, 6.10.1951, p. 12)



A obra dos Centros Republicanos. Foi daqui, das janelas do Centro Republicano da Ajuda que Maria Veleda viu surgir vitoriosa nas mãos do Povo a «sua» querida bandeira da República


“(…) Já lá vão mais de 41 anos. Maria Veleda ficara na Ajuda, aguardando o resultado da Revolução do 5 de Outubro. (…)
Ao assomarmos, também às janelas do Centro Escolar Republicano da Ajuda, (…) éra-nos impossível visitar o Centro sem que nos acompanhasse, em espírito o perfil dessa mulher talentosa e combativa, que foi Maria Veleda. Foi ela, dentre todas as mulheres que propagandearam as ideias republicanas, a que mais se distinguiu pelo seu arrojo e pelo seu entusiasmo. Lado a lado com os maiores paladinos da República, Maria Veleda foi a primeira propagandista das novas ideias. Como escritora, com os seus livros e peças teatrais; como conferencista, com os seus discursos vibrantes e incisivos; e como professora, devotada à nobre missão de combater o analfabetismo.
Tínhamos, pois, que lembrá-la, tal como então foi e agiu. E lembrar também a lucidez dos oitenta e tantos anos que hoje conta, ainda serena e crente na vitória dos ideais por que tanto batalhou, honrando a mulher e honrando a República. (…)”
(República, 31.12.1951, p. 16)

O pseudónimo. Veleda… Porquê?

Maria Veleda é o pseudónimo de Maria Carolina Frederico Crispin.

A escolha do pseudónimo Veleda dever-se-á seguramente à influência exercida pela leitura de “Les Martyres”, Livro IX da obra “Le Génie du Christianisme” de Chateaubriand. Se para a História, Veleda foi uma sacerdotisa germânica que apoiou a revolta batava contra o Império Romano, sendo aprisionada e levada para Roma onde morreu cativa,[1]para Chateaubriand, ela foi a heroína romântica que resistiu e condenou a romanização da Gália, pela sujeição que levou ao desaparecimento das tradições culturais e leis gaulesas.

A descrição poética da sacerdotisa de Teutatés e do ambiente maravilhoso das florestas druídicas da Gália, assim como os argumentos utilizados no seu discurso para criticar a submissão ao domínio romano, a paixão fatídica entre Veleda e Eudoro, o general romano e governador da Armórica que levou aquela ao suicidio perante o seu povo, terão agradado ao espírito romântico de Maria Veleda. A insubmissão da sacerdotisa ao poder do Império e a defesa das leis antigas gaulesas que atribuiam poderes civis e políticos a um conselho supremo de mulheres, terá sido a referência histórica e literária para a escolha do pseudónimo, o que indicia uma precoce simpatia e adesão às ideias precursoras da emancipação feminina.

Memórias de Maria Veleda. Introdução e Notas de Natividade Monteiro, Leiria, Imagens & Letras, 2011.

[1] Tácito, na obra “Germânia” refere-se a Veleda nos seguintes termos: “Vimos sob o divino Vespasiano, Veleda, por muito tempo tida, junto de muitos, no lugar de divindidade”.

Como era considerada a mulher em 1910?

A Crónica, Junho de 1902,p. 1


Como era considerada a mulher em 1910?
Responde a escritora Maria Veleda…


“(…) A mulher portuguesa tinha de estar presente na campanha em prol da República, já pelos seus dotes de apostolado, já pelas suas reivindicações a que lhe negavam a merecida justiça. (…)
Assim, a mulher portuguesa agiu notavelmente na propaganda das ideias republicanas, lado a lado com o homem, na imprensa, nos comícios, na literatura, no ensino e no teatro – sem dúvida um dos mais poderosos meios de educação e de propaganda das ideias.
Conquistando posições e firmando as suas qualidades, a mulher portuguesa de 1910 traçou um destino novo às suas vindouras – um destino livre, independente de conceitos retrógrados e de grilhetas seculares, mais digno e de mais larga comparticipação em todos os campos de actividade.
Vão passados 42 anos…
(…) Maria Veleda – propagandista de primeiro plano no advento da República, escritora e conferencista das mais ilustres, mulher de luta, corajosa e ousada, que ainda sobrevive, para conforto e estímulo de todos nós.
Maria Veleda conta hoje oitenta e tal anos. Mas o seu espírito, a sua notável coerência nas ideias republicanas, afirmam-se com tal frescura e vigor, que não é exagerado dizer-se que ela se conserva a mesma mulher de trinta e tantos anos que à propaganda da República dedicou toda a sua inteligência, todo o seu talento e toda a sua inesquecível combatividade.
Fomos procurá-la, portanto, e admirar, mais uma vez, o seu espírito moço e a sua intelectualidade sempre viva e requintada.
(…)”
(Rosália Braamcamp, República, 4.10.1952, p. 11)

domingo, 26 de junho de 2011

culturafamalicao: maria veleda, a vermelha feminista

culturafamalicao: maria veleda, a vermelha feminista: "“Pobres éramos, pobres ficámos e pobres somos, mas nas nossas almas arde sempre a mesma chama sacrossanta que nos iluminava quando gritámos..."

sexta-feira, 17 de junho de 2011

As propostas reformadoras do ensino

A par das críticas ao sistema, Maria Veleda propõe uma reforma “urgente e enérgica” do ensino e reclama a escolarização das raparigas em situação de igualdade com os rapazes, porque, como ela escreve em 1909, “A educação tem que obedecer ao poder evolutivo do progresso, se quisermos reformar a sociedade, prepará-la para um futuro mais belo e melhor.”

Neste sentido, ela própria começa a inovar. Recorre a estratégias que pretendem tornar a aprendizagem mais atractiva, aliando instrução e educação e sensibilizando para novas dimensões do saber. Nas escolas em que ensina, promove festas infantis com representações teatrais, danças e cantares, inventa jogos, escreve contos e incentiva as crianças a recolherem lendas e tradições regionais e a escreverem também.

Mais tarde, depois de aderir aos ideais da República e ao livre-pensamento, defendeu a educação integral, laica e racional.

Por “educação integral”, Maria Veleda entendia uma educação centrada no desenvolvimento harmonioso das crianças, valorizando igualmente as vertentes da instrução teórica e prática, o exercício físico ou desporto, o contacto com a natureza e a formação ética e cívica. Esta educação far-se-ia por etapas: escola maternal, escola primária, escola superior, Universidades Livres e Populares, reunindo em todas elas os oficinas, as conferências e as visitas de estudo.

A escola laica seria a escola livre, sem compêndios nem imposições, mas com um programa definido e orientado pelos ideais do racionalismo científico, em que se aliassem instrução rigorosa, autonomia, criatividade, espírito de liberdade, amor pelo trabalho, pela verdade e pela justiça, sentido do dever, tolerância, respeito pelo Outro e formação para a cidadania.

Este modelo educativo seria aplicado em regime de coeducação, para que ambos os sexos confraternizassem e se conhecessem melhor, evitando assim que as mulheres continuassem a ver os homens como seres perigosos de que deviam afastar-se, porque o seu convívio podia comprometê-las, e os homens continuassem a encarar as mulheres como seres inferiores, cujo contacto podia amesquinhá-los.

Era de opinião que não se devia interditar às raparigas a participação nas brincadeiras dos rapazes. Seria mais saudável correrem e saltarem ao ar livre que manterem-se fechadas em casa, crescendo “enfezadas” de corpo e espírito. Só a coeducação, o convívio e o conhecimento mútuo, na escola e fora dela, apagariam os preconceitos sociais que sustentavam as desigualdades entre os sexos.

O ensino integral e coeducativo que Maria Veleda idealizava e que julgava não ser uma utopia não era sequer praticado nas escolas ditas liberais dos Centros Republicanos, a que Manuel de Arriaga chamava “capelinhas da liberdade” e onde a instrução era complementada com a educação cívica.

Ela considerava que a escola para ser laica e democrática não lhe bastava abolir o ensino da religião; tinha de responder aos anseios e necessidades das sociedades modernas.

Para desenvolver a educação cívica das crianças, propunha a criação de caixas escolares de auxílio mútuo e a promoção de situações educativas em que elas pudessem manifestar as suas opiniões e usar consciente e livremente o voto, interiorizando assim os valores do associativismo e da solidariedade e aprendendo a exercer os seus direitos em liberdade e democracia.

A avaliação dos alunos também lhe mereceu algumas considerações. Na sua perspectiva, o exame, como instrumento único de avaliação, deveria ser erradicado, porque nada provava sobre os conhecimentos adquiridos pelos alunos.

Neste sentido, ela preconizava: e cito “esse processo antiquado há-de desaparecer quando a educação se fizer conscienciosamente; quando das notas colhidas no decorrer de um ano lectivo e das aptidões demonstradas durante esse período se fizer prova mais segura e muito mais conveniente.”

Ora, o tempo deu-lhe razão. O nosso sistema educativo erradicou os exames por alguns anos, voltando embora a recuperá-los.

As críticas ao sistema educativo no tempo da monarquia


Na viragem do século XIX, Maria Veleda, baseando-se na sua experiência de professora, condenava o sistema de ensino vigente por submeter as crianças a uma disciplina rígida, quase militar, e permitir a aplicação de castigos corporais e outros igualmente humilhantes, transformando a escola num espaço repressor e os professores em algozes da vivacidade e alegria infantis.

Na sua perspectiva, o castigo era avesso ao gosto de aprender e por isso os alunos saíam da escola com uma instrução rudimentar e limitada. Sendo obrigados a papaguear coisas que não entendiam, aprenderiam a ler mas seriam incapazes de aprender a pensar.

Este regime estava caduco e inadequado às exigências modernas, pois descurava a educação das raparigas, futuras mães e educadoras, e obrigava os professores a dar aulas a turmas de quarenta e cinquenta alunos, em salas acanhadas, mal iluminadas e sem condições pedagógicas, o que os impedia de conhecerem as capacidades e o carácter de cada um, de forma a poderem ministrar uma educação apropriada a cada caso.

É de salientar a preocupação de Maria Veleda em conhecer bem as crianças para as poder educar em conformidade, o que se afigura prenunciador do ensino individualizado que ainda hoje se pretende implementar como ideal, apesar da crescente massificação e democratização.

Quando já se encontrava em Lisboa, como professora do Centro Escolar Republicano Afonso Costa, condenou veementemente a “perniciosa” influência do clero no ensino e a submissão dos programas educativos à doutrina da Igreja.

Após a implantação da República e na sequência da publicação da Reforma da Instrução Primária, denunciou as desigualdades de estatuto profissional entre os professores do ensino oficial e os do ensino livre ou particular. Estes não podiam fazer parte dos júris de exames, não progrediam na carreira, não tinham direito à aposentação, nem podiam ingressar automaticamente nos quadros das escolas estatais.

Clamando pela igualdade de direitos, condenou o governo provisório por não corrigir a situação herdada da monarquia e, sobretudo, por ter ignorado o contributo destes professores para a divulgação dos ideais da República, visto que a maioria esteve muitos anos ao serviço dos Centros Escolares Republicanos e de outras Escolas liberais.

As concepções de Maria Veleda sobre a educação das crianças

Maria Veleda, Alves Torgo e aluna(o)s do Centro Escolar Republicano Afonso Costa

A vocação de Maria Veleda para o ensino prende-se com a sensibilidade e a afectividade que a levam a gostar das crianças e a apaixonar-se pela tarefa de as educar.

Ela acreditava que a educação era a luz que iluminava as vidas, o motor do progresso económico e da transformação social, a fonte de felicidade individual e colectiva.

As crianças simbolizavam a esperança e o futuro; instruí-las e educá-las eram as melhores garantias para a construção de um mundo novo.

No início do século XX, Maria Veleda escrevia o seguinte:

“Educar é amar. Da educação, boa ou má, proveitosa ou negativa que se ministrar hoje, depende a glória ou a baixeza de amanhã. Se uma criança que morre pode ser um miserável de menos, também pode ser uma esperança que se desfolha. Por isso, eu amo as crianças. Amo-as porque são fracas e desprotegidas... e também porque o Futuro lhes pertence, porque de cada uma há-de jorrar a luz que ilumine a treva desta sociedade injusta e gangrenosa.”

A crença na educação como fundamento de uma sociedade mais justa e melhor mantêm-se ao longo da vida. Quarenta anos depois, num discurso sobre educação infantil, dizia ainda:

“A escola é o largo horizonte onde flameja o sol rutilante e acolhedor da instrução... completada com a educação, cimentada no espírito de Igualdade, de Justiça e de Solidariedade que devem preparar os homens de hoje para a sociedade unificadora de amanhã.”

A importância atribuída à escola está intimimamente ligada às qualidades científicas, pedagógicas e éticas que, segundo Maria Veleda, os professores devem possuir, porque é preciso "ser bem educada(o) para poder educar bem. Os professores devem ter da vida uma concepção nítida e perfeita...; estar ao corrente dos progressos científicos e culturais da civilização mundial e, sobretudo, terem um espírito fino e delicado, uma alma feita para compreender todas as misérias sociais e pronta a procurar-lhes lenitivo."

Em seu entender, as professoras e os professores deviam entregar-se à tarefa de educar com amor, dedicação e espírito de missão quase religioso, para que a escola se transformasse no farol que iluminasse as trevas da ignorância e na forja que preparasse homens e mulheres livres, conscientes, responsáveis e intervenientes na sociedade, porque “a educação deve ser o primeiro e o mais importante cuidado dos que trabalham em prol da emancipação humana.”

domingo, 12 de junho de 2011

Conferência no Museu Bernardino Machado


Convido-vos para a conferência "Maria Veleda (1871-1955). Feminista republicana, pedagoga e livre-pensadora", no Museu Bernardino Machado (Famalicão).